Dou por mim muitas vezes a pensar no esforço imparável que a ciência e a técnica empregam no sentido de simular o olho humano – a alta definição, os televisores enormes, o DYNAMIC CONTRAST ou o TRUE MOTION 100Hz, entre outros. O seu sucesso é questionável, nenhum rivaliza com a experiência visual ‘ao natural’. Uma das razões está no facto que nós temos percepção da profundidade dum objecto enquanto que o nosso monitor ainda não o faz de forma satisfatória promete passar a fazê-lo. A pergunta e tema deste post é, portanto, como o conseguimos?
Uma das coisas que, se fosse religioso, agradeceria a Deus por, era ter alguns órgãos aos pares. Não só pela simetria (uma característica que o nosso sistema perceptual associa a perfeição, por exemplo, em faces) mas porque dão jeito. Os dois olhos, mais que dois pulmões ou dois rins, não são mais um, são sinérgicos. O input sensorial dos dois olhos é fundido a nível cerebral de forma transparente, para criar uma experiência espacial envolvente, a estereopsia.
O conceito é simples. Os dois olhos estão em locais diferentes, uma disparidade horizontal de cerca de 6 cm (distância interpupilar). Fixando um ponto central, equidistante dos dois olhos, os objectos na envolvência projectam uma imagem (ligeiramente) diferente em cada retina (o mesmo objecto estimula uma porção diferente da retina portanto, a parte sensorial do olho), a chamada disparidade binocular. Um esquema:
Com base na disparidade binocular, o cérebro faz a sua ‘magia’: dispõe a sensação visual (que na retina é totalmente bidimensional) no espaço usando a disparidade binocular como referência para a posição dos objectos e sua orientação, criando a experiência envolvente que é a visão de profundidade.
Um analogia possível seria a um sistema GPS, onde a disparidade temporal de um ponto em relação aos satélites (a distância é calculada com base na diferença entre o timestamp do satélite e o momento em que foi recebido no nosso receptor) permite ‘quadrangular’ a sua posição. Se os olhos forem os satélites, bem, acho que estão a ver onde quero chegar.
Percebendo isto, é muito fácil entender ao que recorre a indústria para emular esta experiência (existem outras abordagens claro). Numa projecção feita para 3D, sem os belos dos óculos acima representados o que vemos são duas imagens iguais sobrepostas e ligeiramente desalinhadas, um ‘ver desfocado’ em linguagem popular. Os óculos, por sua vez, são dotados por filtros de luz polarizada, antagónicos em cada uma das lentes. Uma vez postos, cada olho só vê uma das imagens; como as imagens não estão no mesmo sítio, cria-se uma disparidade binocular, simulando-se a estereopsia. Simples, como se pode ver neste anáglifo tridimensional.
Por outro lado, é importante realçar que a percepção espacial não acaba na visão binocular. Na verdade, a disparidade binocular enquanto pista perceptual só é significativa para distâncias inferiores a 30 e poucos metros.
Para distâncias superiores, as imagens projectadas colocam-se em posições praticamente iguais nas duas retinas. Assim sendo, recorremos às chamadas pistas monoculares, a abordar num próximo post.
Assunto interessante e bem explicado.
Parabéns, espero pela segunda parte 😀
Podiam também explicar como fazer desses óculos 3D com “materiais caseiros”
Obrigado pelo feedback!
Na verdade até é simples fazer uns óculos com materiais caseiros; ao que chamei filtros de luz polarizada também se pode chamar acetato colorido, uma vez que sendo colorido bloqueia o comprimento de onda da sua própria cor (isto é, uma folha de acetato vermelha bloqueia o vermelho, actuando como filtro) 😛
Mais informação pela mão da NASA aqui.
@clinis: Voce nao vai conseguir